Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive?
Um olhar interrogativo sobre a cena da ressurreição
Um olhar interrogativo sobre a cena da ressurreição
¹No primeiro dia da semana, bem cedo, as mulheres foram ao túmulo, levando as especiarias que haviam preparado, ²e viram que a pedra tinha sido afastada da entrada. ³Quando entraram no túmulo, não encontraram o corpo do Senhor Jesus. ⁴Enquanto estavam ali, perplexas, dois homens apareceram, vestidos com mantos resplandecentes.
⁵As mulheres ficaram amedrontadas e se curvaram com o rosto em terra. Então os homens perguntaram: “Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? ⁶Ele não está aqui. Ressuscitou! Lembrem-se do que ele lhes disse na Galileia: ⁷‘É necessário que o Filho do Homem seja traído e entregue nas mãos de pecadores, seja crucificado e ressuscite no terceiro dia’”.
⁸Então lembraram-se dessas palavras de Jesus ⁹e, voltando do túmulo, foram contar aos onze discípulos e a todos os outros o que havia acontecido. ¹⁰Maria Madalena, Joana, Maria, mãe de Tiago, e as outras mulheres que as acompanhavam relataram tudo aos apóstolos. ¹¹Para eles, porém, a história pareceu absurda, e não acreditaram nelas. ¹²Mas Pedro se levantou e correu até o túmulo. Abaixando-se, olhou atentamente para dentro e viu os panos de linho vazios; então voltou para casa, admirado com o que havia acontecido. (Lucas 24.1–12)
O Evangelho de Lucas é parte dos chamados evangelhos sinóticos, grupo dos três primeiros Evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, citados aqui na ordem em que foram escritos, sendo o de Lucas datado de meados da oitava década do primeiro século, embora alguns o situem na metade da sexta década, mas isso é conversa para outro momento. São chamados de sinóticos pois, em síntese — significado da palavra sinopse — utilizaram as mesmas fontes de pesquisa e possuem similaridades grandes entre eles. Uma curiosidade sobre o evangelho de Lucas é que muitos comentaristas acreditam que o evangelho e o livro de Atos dos Apóstolos foram escritos juntos, como uma obra em dois volumes e que, por algum motivo, foram separados posteriormente.
Diferente dos demais sinóticos, Lucas parece ter uma preocupação mais universal em seu evangelho. Você pode perceber isso em alguns aspectos importantes de seu texto, como a menção da ida de Jesus a terras além Judeia, os encontros com estrangeiros, os discursos exaltando a fé de não israelitas. Tudo isso nos colocar na direção do propósito desta obra: o evangelho é para todo aquele que nele crê.
Para hoje, o calendário litúrgico nos reserva o Evangelho de Lucas, que acabamos de ler, e que nos coloca diante da cena da ressurreição de Jesus, no domingo de manhã, um domingo que começa com luto, passa para o desespero e choro, mas termina com a boa nova de grande alegria. Quero olhar para pergunta feita pelos anjos às mulheres que estavam à porta do túmulo vazio. As mulheres, que foram as primeiras pregadoras do Evangelho na perspectiva lucana, anunciaram o que tinha visto e vivido aos discípulos. Apenas Pedro foi conferir e voltou de lá admirado. No relato contado pelas mulheres, um encontro com os anjos que teve início com uma pergunta, e é sobre ela que quero meditar com vocês nesta noite.
Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? A noite foi longa, a madrugada foi de preparativos, mas a porta, fechada e selada, agora está aberta. O pavor, o medo, a insegurança tomaram conta. Se aproximaram e nada viram. Entraram no túmulo e nada viram. Não havia nada, o vazio do túmulo gritava diante de seus olhos, ecoando em seus corações e almas. E é no vazio, no caos da ausência, que Deus se manifesta. A aparição de dois homens, com mantos resplandecentes, chama a atenção das mulheres. Lucas, posteriormente, nos verso 22 e 23 esclarecerá que foram anjos: Algumas mulheres de nosso grupo foram até seu túmulo hoje bem cedo e voltaram contando uma história surpreendente. Disseram que o corpo havia sumido e que viram anjos que lhes disseram que Jesus está vivo.
Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? A aparição dos anjos é sucedida da pergunta. O que vocês estão fazendo aqui, não tem nada para ver aqui, está vazio, não percebem? Para quê as especiarias, os panos, os óleos? O morto, nem a morte, não estão mais aqui. A morte foi arrastada para fora, vencida, não tem mais efeito nem poder, ela foi engolida na vitória! Não há o que ser visto, vocês não se lembram do que aconteceu? Do que ele havia dito? É necessário que o Filho do Homem seja traído e entregue nas mãos de pecadores, seja crucificado e ressuscite no terceiro dia.
Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? A vida não acontece no vazio, acontece na plenitude da presença, na comunhão da alegria, na participação da boa-nova. Não há o que procurar entre os mortos, há o que proclamar entre os vivos. E é isso que o grupo de mulheres fazem. Como são benditos os pés das que anuncia a boa-nova. Como são tolos os que duvidam da pregação das mulheres! Se acham sábios, mas são tolos. Como dizem as Escrituras: “Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes” (1 Coríntios 1.19). Os homens ainda não viam com os olhos da vida, eles ainda procuravam entre os mortos, não é à toa que Pedro vai ao túmulo, vê que está tudo vazio e fica admirado. Não há o que procurar em meio à morte, ela foi vencida.
Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? Até quando você vai ficar revirando verdadeiros cadáveres da sua existência, tentando encontrar neles vida? São tantas as mortes que nos cercam que nos esquecemos do Senhor da vida e achamos que a morte é vida. Achamos que a violência ao nosso redor é só mais uma consequência da sociedade. Olhamos os números da violência, não as vidas. Nos preocupamos com os valores que gastamos por conta da violência e não com as vidas que foram levadas até ela. São tantos os exemplos, no macro e no micro cosmos de nossas existências.
Aqui mesmo, na igreja, na prática de nossa espiritualidade, encontramos tantos que insistem na morte, na fé morta, sem prática, nem comunidade, nem dedicação, nem consagração, nem piedade. Fé que insiste em ficar no túmulo vazio e se recusa a responder à pergunta Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? Insistem em procurar porque não querem encarar a missão que têm pela frente. É mais cômodo se assentar e chorar à porta do túmulo vazio do que se levantar e anunciar o evangelho. Esperam que os anjos saiam proclamando. Não! Pare de procurar na espiritualidade egoísta e fechada em si mesma a vida que não há! Quando guardo para mim a boa-nova de salvação para todos, estou sentado à porta do túmulo, ignorando o fato que ele está vazio. Mas quando me levanto e saio a proclamar, o resultado é vida!
Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? Parem de arrumar desculpas para não convidar as pessoas para estarem aqui. Parem de arrumar justificativas para não falar do amor de Deus. O maior sintoma de que necessitamos mudar nossa maneira de ser igreja acontece todo ano, nesta época. A maneira como você vive a Semana Santa diz muito respeito ao valor que você dá ao Senhor da sua fé. Pastor Levi Araújo resumiu bem isto ao afirmar que “a rapaziada quer ressignificar a cruz e pular logo para a ressurreição”. Se você pula a sexta-feira santa, não há o que celebrar no domingo da ressurreição. Existem 52 semanas no ano, a Igreja pede uma de dedicação e devoção plena, não somos capazes de dar dois dias sequer, quem dirá sete. Sabe o que isso significa? Que estamos olhando para o túmulo, vazio, completamente perplexos e petrificados.
Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive? Ainda bem que há uma saída para esta fé morta e fria, que vive de eventos e busca protagonismo. A saída é a cruz. Quando eu coloco a minha fé na perspectiva da cruz, a repetição anual da celebração da Semana Santa passa a fazer sentido, vira música para nossos ouvidos, com altos e baixos, com momentos tensos e triste, mas com rompantes de grande alegria e vida! Parem de viver a fé de vocês de maneira desleixada. Parem de procurar entre os mortos aquele que vive. Jesus ressuscitou para nos dar vida! Dedique a sua a ele, não por obrigação, por gratidão.